10 de Junho de 2025

UFRN: Resíduo da produção do petróleo vira matéria-prima de cimento

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Wilson Galvão – AGIR/UFRN

Um grupo de cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) recebeu, nesta terça-feira, 3, o patenteamento definitivo de mais uma invenção na área da construção civil. Desta vez, os pesquisadores criaram um processo de produção de artefatos de cimento à base de solo calcinado—contaminado com resíduos de petróleo provenientes do processo de perfuração de poços de petróleo e de extração de petróleo. Nesse processo, há a substituição parcial ou total dos chamados agregados miúdos, ou seja, areias médias e finas, tradicionalmente utilizadas em formulações de concreto e de argamassas para a fabricação de artefatos de cimento.

“Portanto, usamos o solo calcinado em uma nova formulação e conseguimos utilizá-lo na fabricação de artefatos como concretos para fundações, concretos estruturais, concretos de alto desempenho, argamassas de regularização, blocos de vedação, blocos estruturais e fundações simples”, enumera Carlos Alberto Paskocimas, professor da UFRN. Com composição físico-química e morfológica característica, a nova tecnologia é, acima de tudo, uma alternativa ecologicamente sustentável e viável.

Solos calcinados, resultado da combustão de petróleo, representam um sério problema ambiental devido aos seus impactos na saúde humana, na qualidade do solo e na contaminação de corpos d’água. Em virtude disso, as empresas da área precisam obedecer a uma legislação rígida quanto ao seu descarte. Assim, é comum que esse material seja armazenado em aterros industriais, nos quais deve permanecer sob monitoramento até que seja encontrada uma aplicação tecnológica.

Nova tecnologia é mais uma alternativa sustentável para a construção civil – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Não por acaso, uma das instituições cotitulares da patente é a Petrobras, empresa estatal brasileira do setor petrolífero, reconhecida por ser uma das maiores produtoras de petróleo e gás do mundo. Márcio Luiz Varela Nogueira de Moraes relata que, em uma visita técnica no interior do Rio Grande do Norte, eles conseguiram estabelecer contato com o responsável pelo gerenciamento do programa de descarte dos resíduos.

“O encontro foi uma coincidência em uma fábrica de cerâmica, que também enfrentava dificuldades quanto ao reuso de sedimentos. Na oportunidade, soubemos que a empresa tinha três produtos que estavam dando dor de cabeça. É preciso frisar que a Petrobras tem a preocupação muito presente de estabelecer um viés ecologicamente sustentável para sua produção. Então, o gestor do setor nos propôs: façam uma análise desses resíduos. No final, foi quase um presente para nós, que resultou em três pedidos de patente diferentes, dos quais dois recebemos a concessão”, explica Márcio Moraes, ele também professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Norte (IFRN), outra cotitular da patente.

O gestor citado por Moraes é Fred Amorim Salvino, que, ao lado de Paskocimas e Moraes, bem como Márcia Jordana Campos dos Santos, Renata Maria Sena Brasil Leal, Fabiana Villela da Motta, Alex Micael Dantas de Sousa e Mauricio Roberto Bomio Delmonte, forma o grupo de inventores envolvidos na descoberta científica. A expedição da carta-patente ocorreu no último dia 3 de junho e recebeu o nome de “Processo de produção de produtos e artefatos de cimento Portland à base de solo calcinado”.

Paskocimas e Márcio no laboratório manuseiam corpos de prova: “eficiência mantida” – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Do encontro, o desafio proposto foi aceito. A equipe de pesquisadores iniciou o projeto fazendo a análise química e física. Como resultado, identificaram três produtos em potencial na área de cerâmica e cimento. “Quando fizemos a caracterização, conseguimos perceber que cada resíduo poderia ter uma aplicação voltada para um tipo ou outro de produto. Nos outros dois inventos, usamos o cascalho de perfuração naturalmente para placas cerâmicas e o solo contaminado para cerâmica estrutural, como tijolos e telhas”, pontua Paskocimas. Esta última foi objeto de reportagem no início do ano, sob o título “Indústria cerâmica é beneficiada por nova invenção de pesquisadores da UFRN“.

“A gente continua trabalhando com o resíduo. Na verdade, a área de resíduos é um campo, dentro da área de materiais, para aplicação entre diferentes setores. Isso porque ele representa um passivo ambiental para as empresas, que implica em um gasto. Então, se elas conseguem, através de algum processo de adequação, definir uma aplicação para esse exemplo, o resíduo passa a ter o status de matéria-prima e pode ser utilizado para produzir um passivo de registro. Então, a preocupação é essa. Primeiro, atender às exigências da regulação ambiental e, ao mesmo tempo, permitir que a empresa se livre—ou melhor, elimine—um custo financeiro”, acentua Paskocimas.

Ele cita que há resíduos de diferentes categorias e, a depender destes níveis, requerem cuidados específicos. Esse contexto de nível de toxicidade também influencia as alternativas que podem ser colocadas em prática para possíveis “tratamentos”. “Trabalhar com os três resíduos envolveu uma dose de estímulo diferente, mas o resultado em si só foi possível pelo preparo e capacitação envolvidos no laboratório e em termos de recursos humanos. Por isso, conseguimos definir procedimentos de adequação, quantidades, procedimentos de escalonamento, que chegassem ao ponto de que a empresa pudesse enxergar esse resíduo como uma matéria-prima em potencial, agregando valor aos produtos e à própria instituição”, salienta o professor.

Pesquisadores criaram um processo de produção de artefatos de cimento à base de solo calcinado – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Com o processo de patenteamento, os inventores passam a deter a exclusividade no uso da tecnologia. Contudo, a proteção legal não é válida para sempre: atualmente, é de 20 anos ou 15 anos, contados a partir da data do depósito, a depender da modalidade—se patente de invenção ou modelo de utilidade. De maneira simplificada, a primeira protege a atividade inventiva, enquanto a segunda protege objetos de uso industrial.

O procedimento para um inventor submeter sua descoberta para patenteamento tem início no próprio SIGAA, na aba Pesquisa, com a notificação de invenção. Após executar esse procedimento, os pesquisadores enviam os dados dos inventores e o texto da patente para o e-mail da Agência de Inovação. Os pormenores seguintes também são acompanhados pela equipe da Agência, bem como os pagamentos de taxas, que são realizados pela Universidade.

A UFRN mantém uma vitrine tecnológica com todos os pedidos de patentes e concessões já realizadas, bem como os programas de computador registrados pelo INPI. A lista contém mais de 700 ativos e está disponível para acesso e consulta no site da Agência de Inovação (www.agir.ufrn.br). Dentro da Universidade, a Agência é a unidade responsável pela proteção e gestão dos ativos de propriedade intelectual, como patentes e programas de computador.

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Sobre Juliska

Juliska Azevedo é jornalista natural de Natal-RN. É apresentadora do programa Manhã CBN, na Rádio CBN Natal (91,1FM), gerente de comunicação da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN) e sócia-diretora da agência Ska Comunicação, atuando como consultora para instituições e lideranças.

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