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01 de Maio de 2019

Hábitos digitais estão 'atrofiando' nossa habilidade de leitura e compreensão?

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Deu na BBC:

A neurocientista cognitiva americana Maryanne Wolf costuma ser abordada, em suas palestras e aulas, por pessoas que se queixam de não conseguir mais se concentrar em textos longos ou "mergulhar" na leitura tão profundamente quanto conseguiam antes. "As pessoas estão percebendo que algo está mudando em si mesmas, que é seu poder de leitura. E há um motivo para isso", diz Wolf.

A razão, segundo a pesquisadora da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), é que o excesso de tempo em telas - celulares e tablets, desde a infância até a vida adulta - e os hábitos digitais associados a isso estão mudando radicalmente a forma como muitos de nós processamos a informação que lemos.

Segundo um livro de Wolf prestes a ser lançado no Brasil (O Cérebro no Mundo Digital - Os desafios da leitura na nossa era; ed. Contexto) e algumas pesquisas sobre o tema, o fato de lermos cada vez mais em telas, em vez de papel, e a prática cada vez mais comum de apenas "passar os olhos" superficialmente em múltiplos textos e postagens online podem estar dilapidando nossa capacidade de entender argumentos complexos, de fazer uma análise crítica do que lemos e até mesmo de criar empatia por pontos de vista diferentes do nosso.

Tudo isso tem o poder de impactar desde a nossa performance individual no mercado de trabalho até nossa tomada de decisões políticas e a vida em sociedade.

O circuito da leitura

Wolf, que é diretora do Centro de Dislexia, Aprendizagem Diversa e Justiça Social da UCLA, explica à BBC News Brasil que, ao contrário da visão e da linguagem oral, a habilidade de ler e interpretar letras e números não é algo com que nascemos: a leitura é resultado de um circuito que os seres humanos começaram a criar no cérebro cerca de 6 mil anos atrás. "(A habilidade de) ler é algo que precisa ser criada no cérebro, e o circuito vai refletir a linguagem que a pessoa usa, seu sistema de escrita, e o meio pelo qual lê."

Ou seja, esse circuito é moldado pela forma como lemos e pelo tempo que gastamos na leitura. Como os hábitos digitais atualmente favorecem uma leitura pouco aprofundada, em que apenas passamos os olhos por textos diversos, o perigo, diz Wolf, é que a habilidade de entender argumentos complexos - sejam eles presentes em um contrato legal, em um livro, em uma reportagem mais longa - pode ser "atrofiada" caso não seja exercitada.

Tempo de tela

A preocupação principal de Wolf e de acadêmicos como ela é o que acontecerá com as gerações mais jovens, habituadas desde os primeiros anos de vida a passar horas nos celulares e tablets e a consumir ali toda a sua informação, com rapidez e diversas distrações.

"É isso o que me preocupa nos mais jovens: eles estão desenvolvendo uma impaciência cognitiva que não favorece (a leitura crítica)", diz a acadêmica. "Deixamos de estar profundamente engajados no que estamos lendo, o que torna mais improvável que sejamos transportados para um entendimento real dos sentimentos e pensamentos de outra pessoa."

É nesse aspecto que Wolf acredita que a "leitura rápida" pode reduzir a nossa capacidade de sentir empatia pelos demais ou de superar mais limites de conhecimento. E também dificultar o nosso entendimento sobre o que está acontecendo na política, na economia ou em qualquer outro fenômeno social complexo, que exija uma leitura cuidadosa e que tenha causas - e soluções - não simplistas. "As pessoas ficam muito mais suscetíveis a fake news e demagogos que criam falsas expectativas", opina ela.

É preciso ser realista

Wolf lembra, ao mesmo tempo, que são inegáveis os benefícios da internet e da leitura online para democratizar e agilizar a transmissão de informação. Para ela, o primeiro passo é termos consciência do que está acontecendo com nossa capacidade de leitura.

"Se eu precisar ler algo simples e superficial, a tela é ótima. Mas se for algo complexo, que necessite de um olhar sob diferentes perspectivas, em que precise discernir o verdadeiro valor da informação, então tenho de pensar se o meio vai promover o processamento mais lento e profundo de uma análise crítica", diz a pesquisadora.

Como incentivar a leitura crítica

Não há, diz Wolf, uma receita universal para preservar nossa habilidade de leitura crítica, mas sim a necessidade de prestar atenção a nossos próprios hábitos e aos das crianças. Para algumas pessoas, bastará concentrar-se em uma leitura sem distrações - mesmo que seja online - e manter o olhar atento para múltiplas perspectivas e pontos de vista. Outros talvez precisem ter a autodisciplina de limitar seu tempo diário diante das telas, para ter o que ela chama de "vida digital mais saudável", além de retomar o hábito de ler livros impressos.

E, para crianças e adolescentes, eis algumas recomendações de seu livro: Ensinar a evitar múltiplas tarefas, proteger o tempo ocioso, ler livros para elas, limitar o máximo de tempo diário de tela até os três anos e incentivar a criatividade através da música, lápis coloridos e livros, principalmente até os 5 anos.

Por fim, ela lembra que muitas crianças conseguem manter a conexão com os livros mesmo acessando tablets e celulares com moderação. "O importante é estimular a formação de uma mente curiosa", escreve ela. "A formação cuidadosa do raciocínio crítico é a melhor maneira de vacinar a próxima geração contra a informação manipuladora e superficial, seja em texto (de papel) ou em telas."

Fonte: BBC Brasil, disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-47981858

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Sobre Juliska

Juliska Azevedo é jornalista natural de Natal-RN, com larga experiência em veículos de comunicação e também assessoria de imprensa nos setores público e privado.

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