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20 de Março de 2024

Artesãs do Seridó bordam os uniformes e o sucesso dos atletas olímpicos do Brasil

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Na data em que se celebra o Dia do Artesão, 19 de março, o artesanato potiguar tem conquistas para comemorar, pelo menos aqueles que lutam para que a arte de cruzar pontos e traços com linha no tecido não caia no esquecimento, tornando-se objeto de desejo dos consumidores. Os bordados do Seridó, uma das tipologias mais tradicionais e características do artesanato do Rio Grande do Norte, vão acompanhar e vestir os atletas brasileiros, que disputarão por medalhas nas Olimpíadas de Paris, na França.

Um grupo de 80 bordadeiras do município de Timbaúba dos Batistas (que fica a aproximadamente 292 km da capital potiguar, Natal) ficou responsável por bordar artesanalmente as figuras de animais típicos da fauna brasileira, entre tucanos, araras e onças, nos uniformes, que serão usados pela delegação na abertura dos jogos.

No caderno de anotações da artesã Vanda Melo, uma data para ser aguardada. No dia 26 de julho, às 14h30, a bordadeira tem um compromisso que espera não perder por nada, vai ficar em frente à tevê da sala vendo o seu trabalho ser exibido para o mundo inteiro. Esse é o horário da Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. O evento acontecerá ao ar livre e promete ser uma experiência sem precedentes, utilizando a luz natural do sol poente para iluminar a caminhada fluvial dos melhores atletas do mundo ao longo do Rio Sena, no coração da capital francesa.

Parte das 80 bordadeiras que ficaram encarregada de confeccionar os bordados do uniforme

A travessia de 6 km ao longo do Sena contará com apresentações artísticas e mostrará Paris, um patrimônio da França, com seus monumentos e pontes ao longo do percurso. Milhares de atletas de várias nações estarão na água, sendo acompanhados por centenas de milhares de espectadores. Entre os atletas da delegação brasileira, estarão as dezenas figuras de aves, que Vanda Melo dedicou horas, dias e até noites a bordar delicadamente nos uniformes olímpicos do Brasil.

Ela integra o grupo de Timbaúba dos Batistas escolhido para compor com elementos da fauna nacional as vestimentas dos desportistas. “Para mim, a produção dos pássaros foi extremamente importante e vê-los vestidos nos corpos dos atletas será muito gratificante”, anima-se a artesã, que vibra com o fato de uma mostra do seu talento poder ser apreciado e valorizado mundo afora.

“Vai além da questão meramente financeira, nos dá a oportunidade de expandir a visibilidade do nosso trabalho no Brasil e em outros países. É um reconhecimento, que supera o que esperávamos, pois vai nos trazer grandes oportunidades. Disso, tenho certeza, e sou imensamente grata”.

A mesma ansiedade também domina Jailma Araújo, outra bordadeira do município que encarou a empreitada e tem passado a maior parte do tempo entre linhas, máquina de costura e tecidos. O grupo de mulheres já entregou três dos quatro lotes de uniformes, e terá de acelerar o ritmo para finalizar o pedido de mais 800 peças até o dia 20 de abril.

”É a realização de um grande sonho. Um sonho ver o bordado sendo valorizado e sendo reconhecido como feito em Timbaúba dos Batistas. Isso tem dado autonomia e elevado a autoestima das bordadeiras, ao conquistarem as coisas que sempre almejaram, e que achavam ser impossível. É uma satisfação grande conseguir ver tudo isso se concretizar”, explica emocionada Jailma Araújo.

Apesar de utilizar máquinas de costura, até para aderir ao tecido, a arte de bordar requer técnica e muita habilidade manual. A tipologia reúne uma variedade de traços e pontos que são minuciosamente traçados à mão, e dependendo da posição dá origem a um ponto. Os mais tradicionais são o cheio, sombreado, bainha, rústico, matiz e richelieu.

A associação reúne as bordadeiras da cidade. Foto: Divulgação

Habilidade para essa arte parece não faltar em Timbaúba dos Batistas. Da população de cerca de 2,4 mil habitantes da cidade, um terço domina as técnicas do bordado. Um saber, que vem sendo passado de geração em geração, já que essa é a principal fonte de renda do município, uma arte que requer tempo e dedicação. Trabalhando de 2 a 3 horas diárias, uma peça leva cerca de 3 dias para ficar pronta. Caso a dedicação aumente para 8 horas, a peça é produzida no mesmo dia, em média.

A presidente da Associação das Bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, Salmira Clemente, explica detalhes sobre o processo que levou a essa honra e como a parceria entre o Sebrae e o Instituto Riachuelo, juntamente com o Comitê Olímpico Brasileiro tornou esse sonho possível.

Tudo começou com uma parceria visionária entre o Sebrae no Rio Grande do Norte e Instituto Riachuelo para fortalecer a cadeia têxtil da região Seridó, onde está a maior parte das oficinas de costuras que prestam serviço para o Grupo Guararapes. O artesanato foi incluído no projeto já que manualidades vêm sendo inseridas em coleções de estilistas como forma de agregar valor aos produtos com um toque mais artesanal, como é o caso dos bordados.

Bordados produzidos. Foto: Moraes Neto

Representantes do Sebrae e da gigante do varejo foram convidados a conhecer os polos de artesanato no bordado do Seridó ocidental, especificamente os polos de Caicó e Timbaúba dos Batistas. Eles visitaram essas comunidades, buscando uma conexão genuína com a cultura local.

O foco era a capacitação desses grupos produtores, que resultou em 60 artesãos qualificados. A Associação das Bordadeiras de Timbaúba dos Batistas foi um dos núcleos atendidos. Fundada em 1984, a Associação das Bordadeiras de Timbaúba dos Batistas é um tesouro vivo de tradição e habilidade. Suas mãos habilidosas transformam linhas e tecidos em verdadeiras obras de arte, que carregam consigo um pedaço da história e da paixão que permeiam cada ponto.

Em outubro de 2023, a Riachuelo lançou um projeto audacioso: criar jaquetas para os atletas brasileiros usando o artesanato local. A sustentabilidade era a palavra de ordem. Inspirados pela fauna brasileira, os designers optaram por tucanos e araras como elementos gráficos. E o animal escolhido? A majestosa onça, representando a força e a agilidade dos atletas. E s mãos encarregadas de confeccionar o elo entre essa simbologia e o atleta são potiguares, ou, mais precisamente, das bordadeiras de Timbaúba dos Batistas. 

O processo de organização das bordadeiras foi meticuloso e inspirador. Começando com um grupo modesto de 17 artesãs, a Riachuelo estabeleceu uma forma de pagamento ágil e eficiente. As bordadeiras, que se sustentam por meio de seu trabalho, receberiam o pagamento em até 15 dias após a entrega. A simplicidade da organização permitiu que outras bordadeiras se juntassem ao projeto, motivadas pelo sucesso inicial.

O município mantém um cadastro das bordadeiras, e a Associação das Bordadeiras também possui registros detalhados. Com base nos pontos de bordado preferidos pelas artesãs, a equipe entrou em contato com aquelas que dominavam o ponto costurado. Uma reunião corajosa resultou em um crescimento significativo: de 17 bordadeiras iniciais, o grupo expandiu para 80 talentosas mulheres.

A primeira peça-piloto foi aprovada pela Riachuelo, mas o desafio estava apenas começando. Submetida ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), a jaqueta bordada recebeu aprovação total. As medidas foram ajustadas, e a produção em larga escala começou. Um pedido inicial de 440 unidades de arara, 406 unidades de tucano, 358 unidades de onça grande e 67 unidades de onça média foi entregue com sucesso.

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A segunda peça-piloto, agora com todas as medidas prontas, solidificou a parceria entre as bordadeiras de Timbaúba dos Batistas e a Riachuelo. Agora, o grupo tem mais um desafio. Confeccionar outras 800 peças que deverão ser entregues em abril. O resultado são estampas com o DNA do artesanato potiguar, que serão exibidas com orgulho pelos atletas brasileiros em Paris. A tradição, a dedicação e a resiliência dessas mulheres se tornarão parte da história olímpica, unindo passado e futuro em cada ponto. Um emocionante encontro entre esporte, tradição e inovação

 

“O grupo com 80 bordadeiras está coeso e é flexível. Quando terminarem os pássaros, elas têm a possibilidade de bordar para outros clientes. Temos várias encomendas de um município. Nós trabalhamos com uma equipe para o atelier da estilista Helô Rocha, em São Paulo. A perspectiva é de grandes negócios, inclusive recebemos um pedido para mais 800 pássaros para entregarmos no dia 15 de abril”, revela Salmira Clemente.

Para o diretor do Instituto Riachuelo, Gabriel Rocha, as Olimpíadas representam muito mais que a competição esportiva. “É o momento que o mundo volta sua atenção para diferentes culturas e ideias, além de dar visibilidade internacional. O que o Instituto Riachuelo está fazendo é oportunizando essa visibilidade gigantesca a quem antes era quase invisível até mesmo em nosso estado e que tem um talento imenso a ser visto e consumido no mundo todo. Com isso, ganham as artesãs e a Guararapes com projetos de sustentabilidade, governança e respeito à cultura e meio ambiente, o que refletirá em seu desenvolvimento como empresa”.

Gabriel Rocha, durante visita ao Seridó, onde o Instituto Riachuelo mantém ações conjuntas com o Sebrae. Foto: ASN

O diretor reforça a importância da parceria com o Sebrae para as ações serem bem-sucedidas. “A parceria é imprescindível para que o projeto tenha o aparato técnico e a expertise na atividade a ser executada, além de propiciar aprendizagem técnica, financeira, de marketing e de mercado para aqueles que muitas vezes só contam com seu dom e a vontade, mas lhes faltam instrumentos e oportunidades”, justifica o diretor. A expectativa para os próximos anos, segundo Gabriel Rocha, é que a parceria deva se estreitar ainda mais. Com os resultados obtidos, a tendência é fortalecer essa parceria para galgar outros nichos, mais estados e pessoas.

Aos 23 anos, a ginasta Bárbara Molina, a Babi, já está classificada para os jogos e foi a primeira a provar o uniforme oficial da delegação brasileira.

O feito das bordadeiras ganhou ainda mais notoriedade quando a TV Globo exibiu reportagens sobre a confecção dos uniformes e levou um dos atletas olímpicos, Bárbara Molina, da ginástica rítmica, para provar o uniforme e conhecer o trabalho de perto. Ela é a primeira atleta da delegação, já classificada para os jogos, a experimentar o que vai vestir na abertura dos jogos. Até agora, já são 175 esportistas brasileiros com presença garantida nas Olimpiadas deste ano, mas o número pode chegar a 300. Além das jaquetas jeans com os animais bordados, os uniformes também são compostos por saia, calças e camisetas com as cores da bandeira do Brasil. Tudo feito com matéria-prima reciclável.

Na avaliação do diretor superintendente do Sebrae-RN, José Ferreira de Melo Neto, o bordado do Seridó potiguar vem ao longo dos anos se tornando cada vez mais competitivo, tanto pela qualidade, como pela inovação das bordadeiras da região. “Essa inclusão do bordado no nosso uniforme, vai dar uma maior visibilidade ao grupo de bordadeiras. É um trabalho feito por muitos atores, há muito tempo, com vários momentos especiais. Eu acho que a questão da Indicação Geográfica (IG) foi determinante para a melhoria da qualidade do trabalho e o bordado ganhou cada vez mais mercado. Tudo isso vai possibilitar a inclusão de outros segmentos, não apenas do Rio Grande do Norte. Mas outros segmentos de artesanato que existem no Brasil inteiro e que precisam ser devidamente valorizados” acredita Melo.

Zeca Melo, diretor superintendente do Sebrae-RN, celebra marca alcançada

 

“Nós estamos muito felizes, nós somos parceiros das bordadeiras do Seridó, em especial de Timbaúba dos Batistas, as verdadeiras protagonistas do processo. Eu acredito que a gente fez um gol muito grande e que isso vai ser muito importante para determinar um futuro diferente para os nossos artesãos, para os nossos produtores. Enfim para os nossos conterrâneos do Seridó”, acrescenta o diretor.

 

Entusiasta e apreciador da arte das bordadeiras do Seridó, o diretor técnico do Sebrae no Rio Grande do Norte, João Hélio Cavalcanti, destaca o histórico dessas bordadeiras e o apoio contínuo do Sebrae ao longo dos anos. “Há 50 anos o Sebrae caminha com essas bordadeiras naquele município e naquela região”, lembra. João Hélio ressalta que a obtenção do selo de Indicação Geográfica, com a denominação “Bordado de Caicó”, foi um marco importante que fez com que elas se tornassem mais conhecidas no Brasil e no mundo.

O diretor técnico também lembra a exposição realizada no Centro de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB) no Rio de Janeiro, em dezembro de 2021, onde milhares de pessoas tiveram a oportunidade de conhecer esse bordado.

“Bordado esse, com essas características, mantendo a cultura, a tradição, tem muita qualidade, é sinônimo de qualidade e beleza”, elogia. João Hélio destaca ainda o impacto econômico do trabalho das bordadeiras na economia do município e a importância do associativismo. “Com união, elas conseguem resolver e esse é um trabalho que a gente tem mantido e tem fortalecido cada vez mais”, diz João Hélio.

As bordadeiras do Seridó já têm clientes que adquirem seus produtos no exterior e estão sendo requisitadas por ícones da moda e estilistas. Foram elas que bordaram o vestido da primeira-dama Janja para o casamento com Lula e depois a roupa da posse do presidente, ganhando cada vez mais visibilidade.

 

Após as Olimpíadas, João Hélio acredita que as bordadeiras se projetarão ainda mais no mundo da moda. “Essas bordadeiras, com certeza, irão voar muito mais alto no mundo da moda. Os bordados das araras e tucanos simbolizam um voo espetacular dessas costureiras. A partir daí serão voos muito mais altos, muito mais proveitosos e com certeza irão ser referência mundial. Acreditamos muito nisso e estamos torcendo também por isso”, espera.

Para atender ao pedido dos uniformes, o Sebrae deu apoio em tudo que as bordadeiras precisaram durante meses, até que a encomenda estivesse concluída. “Demos o apoio em tudo, ajudando na organização do grupo, qualificando e capacitando as bordadeiras. Esse suporte foi essencial para que elas fizessem o melhor trabalho possível”, afirma o diretor técnico, reconhecendo o alto nível do trabalho das bordadeiras do Seridó potiguar.

“A contribuição do Sebrae para o bordado do Seridó tem sido ilimitada. Na comercialização, na divulgação e na capacitação. Sem essa atuação do Sebrae, por exemplo, o selo de Indicação Geográfica jamais teria chegado a nossa região do Seridó, nem ao nosso município ou as nossas bordadeiras”, confirma Salmira Clemente.

Peças dos Bordados de Caicó em exposição no CRAB, no Rio de Janeiro. Foto: Agência Sebrae de Notícias Rio

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Sobre Juliska

Juliska Azevedo é jornalista natural de Natal-RN, com larga experiência em veículos de comunicação e também assessoria de imprensa nos setores público e privado.

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