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06 de Junho de 2024

UFRN: Edital financia projetos de mulheres que conciliam maternidade e pesquisa

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Marina Gadelha – Ascom-Reitoria/UFRN

Mães cuidam, amam, cansam, fazem sacrifícios. Ao mesmo tempo, elas almejam realizar os seus projetos individuais e reencontrar a própria identidade. Para tanto, as mulheres estão dispostas a desfazer o estereótipo da mãe-heroína, capaz de assumir diversos papeis e dar conta de tudo, e querem gritar ao mundo como é cruel tentar competir, em pé de igualdade, com pessoas que não têm as mesmas responsabilidades e demandas familiares que uma mulher assume quando se torna mãe. 

Na carreira acadêmica, elas tentam equilibrar-se em uma corda-bamba para conciliar maternidade, prazos e pressões para se manterem produtivas como sempre foram. Diante desse cenário, a Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) lançou, neste ano, o edital Mães Pesquisadoras, com o intuito de garantir oportunidades para a progressão e permanência das mães na carreira científica, cuja trajetória sofre impactos nos anos seguintes ao nascimento ou à adoção dos filhos. O resultado final da seleção foi divulgado no dia 5 de junho e está disponível aqui.

Camila e os filhos Davi e Artur, atualmente com 6 e 2 anos de idade – Foto: cedida

Entre as contempladas está a professora da Escola de Ciências e Tecnologia (ECT) e mãe de Davi e Artur, Camila Pacelly Brandão, que destaca a importância da iniciativa. “Eu me senti abraçada, pois é muito difícil competir inclusive com outra mulher da engenharia que não tem filhos. Aqui na universidade, muita gente leva trabalho para casa e pode se dedicar o quanto quiser. Eu não tenho isso, pois preciso ter muita disciplina de horários. Dedico meus finais de semana exclusivamente à minha família, não levo trabalho para casa, e isso é um diferencial em competitividade que me deixa aquém da produção de outras pessoas”, explica.

Para a docente, o edital dedicado às mães pesquisadoras é uma forma de compensar um pouco essa diferença de realidades, já que, mesmo dispostas a fazer mais, elas não conseguem doar o mesmo tempo à produção científica. O pensamento é compartilhado pela professora do Departamento de Ecologia (DECOL), Priscila Lopes, que chegou a adiar os planos da maternidade em detrimento à vida profissional. Primeira colocada na área de Ciências da Vida do edital, a pesquisadora é mãe adotiva de Kaya, atualmente com 2 anos, cuja chegada mudou as prioridades.

“Antes, a prioridade era a minha carreira. Hoje, é a minha família. Ofereço a ele segurança e amor, e para mim isso é o mais importante”, afirma Priscila, que também atribui à maternidade mudanças inclusive nas escolhas profissionais. “Se antes eu falava sim para quase tudo em que era convidada, hoje sou muito mais eletiva. Isso leva ao custo de diminuir o número de publicações que eu tenho por ano, por outro lado, acho que houve o aumento na qualidade dessas publicações. Também mudou o tempo que passo no trabalho, o que aumentou a minha eficiência”.

Sobre os desafios de ser mãe e pesquisadora, a docente chama atenção para o fato de que as mulheres vão perdendo território conforme aumenta o nível das carreiras. “Quando vemos as progressões na academia, nós ficamos cada vez mais para trás porque estamos investindo na criação de seres humanos decentes, o que se traduz em um mundo melhor. Não tenho mais dúvidas de que, se queremos um mundo mais pacífico e sadio, só há uma forma de fazer isso, que é  via criança”, defende Priscila, ao citar o edital Mães Pesquisadoras como “um empurrãozinho a mais, já que temos mais atribuições que os homens”.

Priscila e Kaya – Foto: cedida

Efeito-tesoura

O corte na proporção de mulheres de acordo com a progressão da carreira acadêmica é chamado de efeito-tesoura: elas representam aproximadamente 55% dos alunos de mestrado, 53% de doutorado e 42% do corpo docente brasileiro, segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Na UFRN, 44% dos docentes são do gênero feminino e, entre os bolsistas de produtividade, cerca de 66% são homens e 34% são mulheres. A pró-reitora de Pesquisa da UFRN, Silvana Langassner, aponta que estudos atribuem esse panorama aos impactos da maternidade na carreira da mulher, motivo que leva mais homens à ascensão aos cargos mais altos. “Conseguir uma bolsa de produtividade é muito mais rápido para um homem”, afirma.

Na tentativa de combater a queda no rendimento científico pós-maternidade, algumas mulheres abrem mão da dedicação exclusiva ao bebê durante o período de licença para seguir com as suas produções. Essa foi a escolha da professora do Departamento de Nutrição da UFRN (DNUT), Ana Paula Trussardi, que teve quatro filhos em um intervalo de três anos: Felipe, Vicente e as gêmeas Gabriela e Mariana. Nesse mesmo período, apesar das transformações pessoais, a pesquisadora conquistou o quadriênio mais produtivo, que a levou a ser contemplada como bolsista de produtividade. 

Após ingressar na UFRN, em 2011, Ana Paula começou a tentar engravidar a partir de 2015, até que o primeiro filho nasceu no ano de 2017. Coincidentemente, esse foi o mesmo período das primeiras defesas das orientações de mestrado, que levaram à continuidade do trabalho durante a licença-maternidade. 

“Os alunos viviam lá em casa e acabavam sendo também rede de apoio. Minha história é única e tenho muito orgulho da minha trajetória, mas a gente concorre em disparidades de muitas formas. É difícil uma mulher se manter produtiva na ciência tendo filhos, a gente precisa se reinventar, porque muitas vezes não consegue trabalhar como gostaria”, cita a professora, ao narrar um pouco do seu cotidiano como mãe e pesquisadora: coloca os filhos para dormir, senta no computador às 21h e trabalha sem limite de horário para acabar. No outro dia, acorda pontualmente às 6h para a rotina da casa.

Ana Paula e o quarteto: Felipe, 7, Vicente, 5, e as gêmeas Gabriela e Mariana, 4 – Foto: Dila Ribeiro

Sobre o edital Mães Pesquisadoras, do qual é uma das selecionadas, Ana Paula considera que se trata de um reconhecimento ao trabalho desempenhado em um contexto desafiador, no qual muitas mães não conseguem permanecer produtivas. Esse foi o caso da professora do Departamento de Psicologia (Depsi), Candida Bezerra Dantas, que teve duas filhas, Marina e Antônia, durante o período em que cursava o doutorado. “Lembro muito na segunda gravidez de ir à universidade decidida a deixar o doutorado, que durou cinco anos por conta do nascimento das meninas. Finalizei em setembro de 2013, mas naquela época não havia a possibilidade de registro da licença-maternidade no Lattes”, recorda.

Essa notificação foi conquistada recentemente, em 2021, por meio do movimento Parent in Science, que tem se comprometido com a causa da equidade de gênero na academia e na ciência. Além da inserção do campo para licença-maternidade no Currículo Lattes, a iniciativa conseguiu que esse período seja levado em consideração na análise de produtividade das pesquisadoras pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Para Candida Dantas, as mudanças são consideráveis, apesar de ainda existir desigualdade muito grande na ciência brasileira. 

“A Psicologia sempre foi considerada uma profissão feminina, em que a maioria são mulheres, mas quando vemos os níveis mais altos de bolsas de produtividade, esse número vai diminuindo e vemos espaço muito maior para homens”, destaca a pesquisadora, que passou a ser bolsista de produtividade neste ano, após percorrer um caminho acadêmico como mãe divorciada e cuidadora principal das filhas. 

Candida e as filhas Marina, 14 e Antônia, 12 – Foto: cedida

“Às vezes a gente romantiza um pouco esse processo, ou se coloca como mulher forte que prioriza o trabalho, mas isso só evidencia a condição de as instituições não considerarem esse campo da maternidade. Na história, o trabalho nunca foi lugar das mulheres, mas quando começamos a ocupar esses espaços, precisamos dar conta duplamente ou triplamente das nossas responsabilidades”, avalia. Selecionada no Mães Pesquisadoras, a professora enxerga a iniciativa como uma espécie de ‘reparação histórica’, que promove a visibilidade da situação enfrentada por mulheres no cotidiano da vida acadêmica.

A mãe de Helena e professora do Departamento de Biofísica e Farmacologia (DBF), Elaine Gavioli, reforça que o edital, do qual participa, contribui para a consciência da sociedade sobre o trabalho silencioso de cada mãe. “Já passou o tempo em que a gente tinha que desconsiderar isso, como se alguém precisasse dar conta sem reclamar. Essa é uma forma de quebrar a romantização da maternidade, pois parece que tudo são flores, mas os desafios ficam por trás, sem ninguém ficar falando ou sabendo”, adiciona a professora, que se tornou mãe em meio à pandemia, em 2020, quando ocupava cargo de gestão na UFRN, como pró-reitora adjunta de Pesquisa. 

Esses dois fatores se somaram aos desafios de manter a produção científica, que ficava em último lugar na lista de prioridades da professora. “Havia um monte de urgências e demandas do cargo de gestão, da docência, orientações, então a pesquisa não cabia. A maternidade exige diariamente, e conciliar com a pesquisa é realmente muito difícil”, conclui. 

Elaine e a filha Helena, atualmente com 4 anos de idade – Foto: Elaine Gavioli

Em busca da igualdade

“Espero que os seres humanos sejam tratados com igualdade e que as mulheres não sejam mais silenciadas ao longo da história”, afirma a professora do Departamento de Biologia Celular e Genética (DBG), Silvia Batistuzzo de Medeiros, ao listar o que espera para o futuro e lembrar a sua trajetória na UFRN, onde ingressou como docente em 1996. Nesse mesmo ano, nasceu o seu primeiro filho, Leonardo, e o segundo chegou em 2001, Edoardo, com Síndrome de Down. 

Edoardo, Silvia e Leonardo – Foto: cedida

“Um mundo totalmente novo se desvendou para mim. Ficamos sem chão, sobretudo porque, aos 6 meses, Edoardo teve que passar por uma cirurgia cardíaca, na época não realizada em Natal, e fui a São Paulo. Lembro que, nesse período, estava orientando dois alunos de mestrado que ficaram um pouco de lado, confesso, mas contei com o apoio de outros docentes. Sou muito grata a todos”. A docente também se recorda de ter passado quase 10 anos em um ‘ciclo vicioso’ para entrar no sistema de pesquisa e dar resultados, “pois, sem currículo, publicações, não se aprova um edital, e sem recursos não se tem produção”.

A docente é uma das selecionadas do edital para mães pesquisadoras, voltado a mulheres com filhos até 12 anos ou com deficiência, sem limite de idade. “Acredito que esse edital vai auxiliar jovens mães pesquisadoras a saírem desse ciclo vicioso e a ganharem mais rápido a esfera da excelência”, comemora Silvia, que planeja transformar os recursos ganhos em bolsas de iniciação científica para jovens mulheres.

O potencial da iniciativa também é destacado pela primeira colocada na área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias, Fabiana Villela, professora do Departamento de Engenharia de Materiais (DCEM) e mãe de Rafael e Renato. De acordo com a docente, o edital valoriza as mulheres que conciliam os papeis de mães e pesquisadoras para o desenvolvimento da universidade e do País. Para ela, a busca desse equilíbrio representa o maior desafio, já que ambos se complementam em sua vida e a constituem como pessoa. 

Fabiana e os filhos Rafael, 17, e Renato, 12 – Foto: cedida

Essa mesma realidade está presente na rotina do professor do Departamento de Educação Física (DEF), Allyson Carvalho de Araújo, que desde 2022 se tornou pai solo de José Igor, adotado quando tinha apenas quatro dias de vida. “Ele é a figura que rege a minha vida, tem a centralidade. Por isso, eu pactuo com a minha chefia de como conciliar os horários de aula com a paternidade, organizo reuniões em função dos horários do meu filho. Meu movimento de parentalidade tem conseguido ser harmônico, mas não sem dificuldades”, ressalta o docente, que foi contemplado com o primeiro lugar na área de Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes do edital Mães Pesquisadoras.

Allyson avalia que a sua participação na iniciativa representa o acolhimento à diversidade na UFRN. “Respeito e admito que é preciso dedicar um olhar às mulheres, que são mais diretamente vinculadas à primeira atenção da criança. Porém, é substancial entendermos que existem outros modelos de parentalidade, famílias mais tradicionais e menos tradicionais. Não consigo falar quais são as dificuldades de uma mãe pesquisadora, imagino que sejam muitos, mas sei os desafios de um pai pesquisador solo”, argumenta.

Allyson e José Igor, atualmente com 2 anos de idade

O professor adiciona que o edital para mães pesquisadoras — e pai solo — coloca a UFRN em uma posição de vanguardismo e sensibilidade, já que sai à frente ao apoiar não apenas as mães, mas também os pais que sejam a única referência para seus filhos. “Espero que isso sirva de modelo para outras instituições e outros editais dentro da UFRN, pois existem outros espaços que podem atentar para essa questão. O impacto da parentalidade não está somente na pesquisa, mas também no ensino, na extensão, em cargos de gestão. É importante se pensar no respeito à vinculação pai-filho e mãe-filho em todas as dimensões”.

Olhar adiante

Mãe de Bernardo e Théo, professora do Departamento de Farmácia (DFARM) e pró-reitora de Pesquisa da UFRN, Silvana Langassner também sentiu impacto na produtividade após o nascimento dos filhos. “Foi difícil dar continuidade à vida de pesquisadora e conciliar a maternidade com a vida profissional. Por isso, precisamos de ações públicas para reconhecer o trabalho invisível que há por trás das mães e como isso vai impactar na carreira. Se não tivermos ações para impulsionar mães e pais solo, que entram na mesma categoria, sempre teremos desigualdade de gênero na academia”, alega a docente, que idealizou o edital Mães Pesquisadoras.

Silvana e os filhos Bernardo, 13, e Théo, 11 – Foto: cedida

A proposta foi acolhida e abraçada pela equipe da Propesq, entre servidores e bolsistas, que trabalharam com afinco na construção da iniciativa. Como resultado, houve grande adesão por parte das mães pesquisadoras da UFRN, com a inscrição de 69 propostas para a área de Ciências da Vida; 23 de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias; e 30 de Ciências Humanas, Sociais, Letras e Artes. A demanda foi tão grande que a Propesq ampliou de 10 para 25 projetos selecionados para financiamento. Os 10 primeiros projetos recebem aporte de R$ 30 mil, além de uma bolsa de iniciação científica pelo período de 12 meses. Os demais são contemplados com R$ 20 mil cada. 

Silvana Langassner reforça que o financiamento precisa ser continuado, de forma a conquistar avanços para diminuir as assimetrias de gênero na UFRN. “Essa foi a primeira ação da Propesq para contribuir com um futuro mais equitativo para a ciência na instituição, mas pretendemos realizar outras ações para incluir, por exemplo, o recorte de raça”, informou a pró-reitora, ao comunicar que espera atender um número maior de participantes do edital, ao longo do ano, de acordo com a disponibilidade orçamentária do Fundo de Pesquisa. “Também está previsto outro edital de financiamento para mães pesquisadoras, mas com foco em outro público-alvo. Em breve, será divulgado à comunidade acadêmica”.

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Sobre Juliska

Juliska Azevedo é jornalista natural de Natal-RN, com larga experiência em veículos de comunicação e também assessoria de imprensa nos setores público e privado.

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