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08 de Junho de 2022

Projetos da UFRN homenageiam vítimas da covid-19 e celebram o trabalho dos profissionais da saúde

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Kayllani Lima Silva – Agecom/UFRN 

Em meio ao luto pelas vidas perdidas para a covid-19, aprofundado pelo cenário adverso de isolamento social e urgência na saúde pública, as homenagens se tornaram uma forma de conforto diante da saudade. Isso porque seja na celebração, preservação, ou resgate de memórias, elas simbolizam a importância daqueles que passaram e marcaram de algum modo as nossas vidas. Foi pensando nisso que a UFRN inaugurou e vem mantendo dois projetos significativos para sua comunidade: O Memorial Eternos, alocado no ambiente virtual, e o Bosque da Memória do Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres/UFRN), localizado no município de Caicó (RN). 

A presidente da comissão e psicóloga da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progesg/UFRN), Luciani Macedo, percebe o Memorial como um espaço que gera ao mesmo tempo curiosidade e emoção nas famílias. Uma vez aberto e voluntário, o canal está disponível aos colegas de trabalho, amigos e familiares que perderam alguém para a covid-19, permitindo  o reconhecimento público da passagem dessas pessoas e a valorização das memórias compartilhadas. “Mostra o quanto a instituição valoriza relações humanizadas e reconhece que essas pessoas são visíveis e parte de tudo o que a UFRN é hoje”, afirma.

Pensado pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progesp), o projeto conta com o apoio das superintendências de Comunicação (Comunica) e Tecnologia da Informação (STI) e do Cerimonial do Gabinete do Reitor. O objetivo é reconfigurar e ampliar as suas ações, dentre elas, a divulgação à comunidade universitária para que mais pessoas possam usar esse espaço virtual para homenagear seus entes queridos. Na perspectiva de Luciani, para quem a iniciativa representa respeito,  consideração e acolhimento, o Memorial proporciona a elaboração do processo de luto familiar e demonstra o quanto os homenageados eram importantes e valiosos para os que ficaram. 

Mirian Dantas dos Santos, pró-reitora de Gestão de Pessoas, lembra que a ideia de construção da iniciativa é algo antigo e surgiu na Progesp com o intuito de trabalhar questões como o luto e registrar as memórias dos que passaram pela UFRN. Com as perdas ocasionadas pela pandemia, a necessidade de tirar os planos do papel foi impulsionada e se concretizou com o lançamento do portal. Embora  contemple as memórias dos servidores, ele não foi a primeira ideia da iniciativa. A proposta inicial era inaugurar uma “Casa da Memória”, mas apesar da disponibilidade de um espaço, a ausência de  orçamento impediu a continuidade da ideia, por isso a proposta do site. 

Ao possibilitar às gerações futuras o conhecimento sobre quem passou pela  instituição, aponta a pró-reitora, a atuação da iniciativa vem sendo fundamental para a política de gestão de pessoas. Nas suas palavras, trabalhar a memória, o registro e o reconhecimento é, também, uma forma de reconhecer a contribuição daqueles que nos deixaram. “Cada um que passa deixa alguma coisa. Leva, mas também deixa. Então, o objetivo é  ajudar no luto e contar um pouco da história e da memória dessas pessoas”, complementa. 

Trabalho semelhante é realizado no Bosque da Memória do Ceres, presente na área de preservação da Unidade, responsável por englobar árvores nativas em homenagem às vítimas da covid-19, mas também aos profissionais da saúde que lutaram na linha de frente na pandemia. Sandra Araújo, diretora do Centro, assegura que o desenvolvimento da iniciativa aproximou sua comunidade diante das dificuldades ocasionadas pela crise sanitária.  “Acho que a nossa ideia foi muito válida porque deu algum consolo e conforto às pessoas que viviam momentos tão difíceis, como a perda de alguém nesse período, inclusive, com a impossibilidade de se despedir, dada as características da covid-19”, enfatiza. 

Ela conta que o projeto foi inspirado em uma campanha de plantio de árvores nativas do Sul brasileiro, idealizada por organizações não governamentais que trabalhavam na defesa e proteção da Mata Atlântica. Mas foi por meio do Instituto do Desenvolvimento Sustentável e  Meio Ambiente (IDEMA) do Rio Grande do Norte que ela tomou conhecimento do trabalho e solicitou a adesão à proposta.  Na busca pela concretização do Bosque, fora o Idema, o Ceres recebeu o suporte da Superintendência de Infraestrutura da UFRN (Sinfra), do Instituto de Gestão de  Águas (Igarn), da Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do RN (Semarh) e das ONGs Guardiões da Terra, Baobá e a rede Eu sou do amor. 


Desde  2021, ano de sua inauguração, o Bosque já alcançou cem árvores da caatinga plantadas, inaugurando a presença do bioma no projeto e chamando a atenção de habitantes para além dos limites do município.  “Pessoas de vários lugares nos procuraram solicitando o plantio de árvores, não apenas pessoas de Caicó. Eu também quero destacar que durante o período que nós plantamos as árvores, também homenageamos pessoas que não faleceram de covid, mas faleceram no contexto da pandemia”, aponta Sandra Araújo. 

Preservação e segurança 

O processo de manutenção do bosque é permanente e vem enfrentando os desafios ligados aos fatores climáticos e a própria qualidade do solo.  Mas a diretora do Ceres conta que isso não tem impedido o trabalho de acompanhamento do desenvolvimento das plantas, dada  a necessidade da árvore exigir uma maior atenção até que alcance altura e autonomia no crescimento. Aliado a isso, é feita a limpeza dos canteiros do local, um trabalho mais desafiador em períodos com altos índices de chuva que levam ao crescimento de vegetação não cultivada.

“Às vezes, a  qualidade da muda não é muito boa por já ter uma a raiz mais antiga ou com alguma deficiência. É provável que algumas árvores morram, a gente vai substituindo já que é natural que isso aconteça. Mas nós estamos atentos a sua manutenção para que o bosque se desenvolva e dentro de cinco anos tenhamos uma área bem arborizada dentro do Ceres para que possamos nos beneficiar dela com árvores que dão sombra, frutos e trazem a  nossa memória lembranças tão significativas como as perdas que nós tivemos durante a pandemia”, compartilha Sandra Araújo.

Diferente do processo de manutenção do Bosque da Memória, o site do Memorial Eternos vem realizando seu trabalho com foco na segurança dos usuários e no combate à informações equivocadas. Luciani Macedo reforça que o espaço acolhe apenas pessoas que possuam algum vínculo com a UFRN. Após o envio do formulário, a homenagem é recepcionada por integrantes da Comissão de Moderação da iniciativa para que possa ser verificada nos sistemas institucionais a informação oficial do óbito. Em caso de ausência do dado oficial,  a homenagem não é homologada. 


O objetivo é permitir que elas sejam reprovadas se não atenderem aos termos de uso disponibilizado na plataforma ou se apresentarem quaisquer indícios de conteúdo impróprio. Além disso, mesmo as mensagens publicadas podem ser alvo de denúncia e cancelamento caso seja identificada alguma inconsistência pelo público do Memorial. Para tirar dúvidas sobre a iniciativa, o formulário de cadastro disponibiliza este e-mail para contato e  esclarecimentos de dúvidas. 

“Procuramos, dessa forma, gerir com respeito e cuidado esse espaço virtual. Ao utilizar a plataforma, cabe ao usuário se comprometer a observar integralmente as normas dispostas no termo de uso prezando pela boa convivência, pelo respeito e cordialidade nas informações divulgadas”, esclarece Luciani Macedo. O  usuário deve ainda informar seu CPF, nos termos da Lei nº 14.129/2021, bem como fornecer um endereço de e-mail válido, através do qual o site realizará todas as comunicações necessárias. Caso não concorde com os termos de uso, o recomendado é não utilizar o portal. 

Outro ponto observado pela psicóloga da Progesp é o desafio de divulgar o projeto à comunidade universitária, visto que a sua existência ainda é desconhecida pela maioria. Assim também pensa Mirian Dantas, para quem o memorial deve ser uma pauta sempre visível no site da UFRN. “Eu acho que é um portal muito relevante para que a gente consiga alcançar a todos.  Alcançar a todos é um grande desafio na universidade, mas  é muito importante que as famílias, os amigos e os colegas de trabalho de todos nós o conheçam”, defende.

O luto e as despedidas na psicologia   

Essenciais na elaboração do luto e nas formas de lidar com a perda, os rituais simbólicos também são reconhecidos na perspectiva da psicologia. Maria Gadelha, professora na área e ligada a Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (Facisa), explica que projetos como o Memorial Eternos estão incluídos nas estratégias adaptativas que auxiliam as pessoas  a realizarem efetivamente uma despedida simbólica. “Essas iniciativas vão legitimar a dor dessas pessoas como algo real, algo que precisa ser expressado, algo que precisa ser ouvido e que precisa ser dado um lugar”, esclarece.

Ela argumenta que discutir e refletir sobre esse processo é fundamental,  pois a nossa sociedade apresenta hoje uma busca desenfreada pela vivência de emoções positivas e, muitas vezes, a expressão desses sentimentos negativos pode ser vista como fraqueza quando, na verdade, trata-se de um mito alimentado desde a infância. Consequentemente, a invalidação dos sentimentos pode levar a quadros mais graves, como o aumento das chances de desenvolvimento de transtornos psicológicos e a redução da qualidade de vida. Disso, parte a importância do memorial e outras formas de manifestar as emoções como o desenvolvimento de textos, mensagens específicas, crônicas e diferentes expressões literárias da linguagem escrita. 

Além dos variados segmentos, a professora Maria Gadelha adverte que o processo de luto é atravessado por diferentes fatores culturais e passíveis de modificação ao longo da história. “Na Idade Média, por exemplo, as mortes eram vividas de forma mais tranquila, eram mais familiares e percebidas como fato natural. As pessoas que estavam ali no leito da sua morte pressentiam de algum modo e se preparavam para essa partida, muitas vezes, indicando como gostariam que elas acontecessem”, explica. Por outro lado, continua, nos dias atuais, com ênfase para a realidade brasileira, os rituais de despedida estão muito atrelados à vivência compartilhada e amparada pelo afeto dos pares, palavras, gestos e até pelo próprio silêncio.

Isso significa que ao adentrar esse ambiente de expressão das emoções, as pessoas conseguem reconhecer a importância do ente querido e do seu espaço dentro de um grupo, passo fundamental para a retomada das relações sociais após a perda de alguém. No entanto, nem sempre existe uma linearidade nos estágios do luto. Embora até mesmo a psicologia tenha delimitado, em algum momento, suas fases como sendo sequenciais, cada indivíduo pode vivenciar momentos diferentes em comparação a elaboração padrão, à exemplo do sentimento de tristeza profunda seguido da negação e da raiva.

Mas pensar na elaboração do luto na pandemia da covid-19 tem uma carga diferente. O motivo disso é que,  mesmo diante das atualizações por muito tempo negativas do quadro epidemiológico, a população não esperava perder os seus familiares e amigos. “Infelizmente, muitas vezes, as dificuldades de acesso a tratamento e a falta de atendimento e assistência ocasionou mortes prematuras. Então de certa forma elas eram inesperadas. Nisso há uma diferença do luto que é antecipatório – quando a pessoa já está passando por um processo de adoecimento como os casos terminais – em relação a uma morte repentina em que geralmente vão estar presentes emoções como a raiva e  um pouco de revolta”, aponta a docente. 

Ela chama atenção, ainda, para o fato de que tradicionalmente  os rituais de despedida são realizados diante do que é concreto e material, mas face às limitações impostas pela covid-19 eles exigiram novas adaptações. Nesse sentido, os meios de comunicação exerceram um papel importante ao possibilitar, por exemplo, a realização de videochamadas no processo de internação hospitalar para aproximar as vítimas do vírus das suas famílias. Ou seja, mesmo não excluindo o sofrimento desse período, esse contato foi uma espécie de suporte, auxílio e  segurança.

Para deixar sua homenagem no Eternos: eternos.ufrn.br

Para plantar uma árvore no Bosque da Memória: formulário.

Foto 1: Cícero Oliveira / Foto 2: Pedro Brito/Cedida

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Sobre Juliska

Juliska Azevedo é jornalista natural de Natal-RN, com larga experiência em veículos de comunicação e também assessoria de imprensa nos setores público e privado.

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