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14 de Julho de 2022

Pesquisa mostra que sete em cada 10 alunos do RN apresentam níveis baixos de leitura

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Por Marcos Pinto – Agecom/UFRN

Com o aumento do uso e a popularização de aparelhos móveis com conexão à internet no Brasil, é possível imaginar que crianças e jovens estão cada vez mais informados e lendo mais a partir dos meios digitais. Entretanto, segundo o Relatório do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), publicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em 2018, a cada dez alunos do estado do Rio Grande do Norte, aproximadamente sete deles estão no nível básico de leitura, ou seja, o grau mais baixo de proficiência em leitura, caracterizado pela habilidade de reconhecer apenas palavras simples.

A ausência do desenvolvimento de habilidades de leitura pode resultar em grandes desafios para a continuidade e a manutenção dos estudos dos jovens, dificultando sua inserção no mercado de trabalho e também o acesso a espaços culturais e de lazer que envolvam a interpretação textual. Com o intuito de entender mais sobre essa questão, não só no estado do RN, a professora Cíntia Alves Salgado Azoni, do Departamento de Fonoaudiologia da UFRN, colaborou com a pesquisa Examining the effects of Covid-19 restrictions on literacy practices in a child’s home: a global survey study, realizada em várias regiões do mundo, incluindo o Brasil, que caracteriza e quantifica os impactos causados pela leitura em crianças de zero a onze anos, pertencentes a diferentes classes sociais, no período entre 2020 e 2021.


A professora destaca que as regiões Norte e Nordeste foram as que menos responderam ao formulário on-line, disponibilizado pela pesquisadora durante o período de coleta de dados. Majoritariamente, as respostas vieram de uma parcela da população brasileira mais privilegiada, ou seja, que têm acesso a ferramentas para responder ao questionário virtual, como smartphones e conexão à internet, o que torna o quadro ainda mais preocupante. “Veja que contradição, embora sejam famílias de maior nível socioeconômico, que responderam ao questionário, mesmo assim, a quantidade de livros e acesso nesses lares ainda é muito pior do que em outros países”, explica Cíntia.

Quando a equipe se deparou com os resultados parciais, visto que o estudo ainda está em andamento, os pesquisadores chegaram à conclusão de que, nesse segundo momento, seria necessário focar nas famílias de baixa renda que não conseguiram participar no primeiro momento, respondendo ao questionário on-line. “Agora, em 2022 e 2023, estamos procurando essas famílias nas escolas públicas, para investigarmos quais são essas práticas de literacia familiar, ou seja, o quanto os responsáveis estimulam essas crianças em ambiente familiar [para a leitura]”, diz Cíntia. 


De acordo com o Relatório Nacional de Alfabetização Baseado em Evidências (RENABE/ME), publicado no ano de 2021, a fluência em ler pode ser estimulada muito antes do contato formal da criança com a escola. Quando os pais ou cuidadores lêem para uma criança, desde a mais tenra idade, já estão preparando-a para o desenvolvimento dessas práticas.

Falta de acesso

A pesquisa aponta que famílias que residem em áreas rurais e cidades menores têm menos acesso a livros, comparado com famílias que moram em capitais e grandes centros urbanos. Outro indicativo é que, nesse mesmo período, os lares brasileiros adquiriram mais livros digitais e jogos eletrônicos. Com a prática do isolamento social, mais adultos optaram por esse tipo de lazer. Entretanto, práticas de leitura voltadas às crianças diminuíram consistentemente. “Um dado bem pontual é que a família brasileira compra muito menos livros do que nas outras regiões onde a pesquisa foi implementada. Nós fazemos parte de uma cultura que não valoriza a leitura”, pontua a professora.

A Examining the effects of Covid-19 restrictions on literacy practices in a child’s home: a global survey study ainda afirma que uma escola de qualidade precisa oferecer oportunidades para que todas as crianças possam se tornar leitoras competentes e proficientes. É ressaltada ainda a necessidade de inserir novas estratégias, com o intuito de estimular a prática desde a educação infantil. Na 5ª edição da Retratos da Leitura no Brasil, realizada em todo território nacional no ano de 2019, alguns dados acerca dos hábitos de leitura no Brasil também corroboraram com o estudo desenvolvido pela professora da UFRN. Neste estudo nacional, 65% das crianças, de idades entre cinco e dez anos, relataram não ler mais por não saberem.


A Retratos da Leitura no Brasil é realizada pelo Instituto Pró-Livro desde 2007, e tem como objetivo avaliar o comportamento do brasileiro em relação aos hábitos de leitura, além de conhecer o perfil do leitor, e também do não leitor, identificando seu comportamento quanto a intensidade, forma, limitações, motivações e condições de leitura e acesso a livros, sejam impressos ou digitais.

Para Alda Martiniano Lima, professora da rede municipal, são diversos fatores que contribuem para a defasagem de leitores no Brasil. “A criança aprende observando, se ela vê que seus responsáveis têm gosto pela leitura, ela tem mais chances de desenvolver esse hábito. Ainda que existam aptidões individuais, no qual a criança lê mesmo sem incentivo, é muito mais difícil”, explica. Alda aponta ainda que muitos pais não dispõem de recursos financeiros para investir em literatura. “Temos também casos que os pais ou responsáveis não sabem ler, ou lêem com muita dificuldade, restando para as crianças terem essa vivência apenas nas escolas”. Apesar das dificuldades, ela percebe impactos positivos, mesmo que pequenos, da relação entre as famílias e o incentivo à leitura para os pequenos.

Outro dado é que, após o retorno gradativo das atividades presenciais, os números voltaram a decrescer na compra de livros digitais, independentemente do grupo étnico ou do poder aquisitivo dos adultos pesquisados. O grau de escolaridade também foi levado em consideração: a frequência de atividades de leitura, em famílias com maior nível de estudo, aumentaram, enquanto que não houve diferença significativa na periodicidade em famílias com menores níveis.

Dislexia

Para crianças com dislexia, que já estavam em desvantagem no período pré-pandêmico ㅡ devido às dificuldades que esse distúrbio genético impõe à leitura ㅡ, a frequência das práticas de alfabetização permaneceram em baixa por parte dos cuidadores. Durante as restrições causadas pela pandemia de covid-19, essas crianças necessitaram de mais auxílio das famílias e dos educadores para concluírem as atividades escolares, e receberam menos atenção dos professores, passando menos tempo com atividades acadêmicas.


No geral, a boa notícia é que as crianças passaram a se interessar mais pela leitura, mesmo após as famílias e cuidadores voltarem para suas rotinas presenciais. Crianças com ou sem dislexia passaram também a utilizar mais aparelhos eletrônicos, principalmente tablets, além de assistirem mais televisão e jogar videogames.

Segundo André Tobias, 23 anos, que acabou o ensino médio apenas em 2021 aos 22 anos, a dificuldade em acompanhar os conteúdos escolares sempre foi recorrente em sua vida. Em 2019, o jovem descobriu ter Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e dislexia. No ensino fundamental, André sempre foi tido como preguiçoso e bagunceiro por seus professores, visto que não conseguia manter o mesmo ritmo de seus colegas de classe, o que resultou em constantes períodos de evasão escolar. 

“Quando eu era mais novo, sempre foi muito difícil me concentrar nas aulas e me adaptar no ambiente escolar. A única matéria que conseguia me destacar era Ciências, e mais tarde, Biologia. Os únicos livros que consegui ler, e terminar, precisavam ser muito chamativos e de assuntos que me interessassem muito”, explica André.

Mesmo na fase adulta, André, gestor administrativo de uma empresa relacionada a Blockchain, continua sofrendo dos mesmos problemas que tinha enquanto criança. Dificuldade de concentração e de comunicação com os colegas de trabalho, além da procrastinação são frequentes. Dos irmãos, o jovem sempre foi o que apresentou mais dificuldades de leitura. “Minha família nunca nos incentivou, e por causa da minha condição, eu desistia muito rapidamente de tarefas relacionadas à leitura, principalmente aquelas da escola. Eu aprendo muito mais colocando a mão na massa, praticando, que lendo e estudando, de fato”, conclui.

Intervenção nas escolas do RN

Outra pesquisa desenvolvida pela professora Cíntia Azoni, intitulada Early Literacy Prediction and Reading Intervention for Preschoolers From Low-Income Families, também vinculada ao Departamento de Fonoaudiologia da UFRN, revelou que 50% dos estudantes brasileiros detém técnicas básicas de leitura. O projeto, que acompanhou 192 crianças de três escolas de Natal, estudou os benefícios, especialmente fonológicos, de intervenções escolares para o desenvolvimento da alfabetização de crianças de diferentes faixas etárias.

O repertório de vocabulário pode influenciar no desenvolvimento de práticas de leitura por parte de crianças e jovens. Um ponto de mudança seria o treinamento adequado de professores em promover técnicas de alfabetização para a primeira infância. “Em 2019 foi publicado o RENABE, que preconiza essas habilidades que nós trabalhamos. De certa forma ficamos na vanguarda da promoção dessas habilidades na alfabetização dessas crianças”, conta a professora.


Os resultados da Early Literacy Prediction and Reading Intervention for Preschoolers From Low-Income Families mostraram que crianças desenvolveram a habilidade de reconhecer a escrita das letras e seus segmentos fonéticos. O trabalho foi realizado com professores da rede pública de ensino da cidade do Natal, onde esses profissionais participaram ativamente na construção das dinâmicas que seriam adotadas nas práticas de intervenção alfabetizadora.

O modelo de intervenção utilizado no estudo foi o RTI (Resposta à Intervenção), conhecido por ser um padrão ouro para intervenção escolar, principalmente para identificar crianças com problemas de leitura. “Acompanhamos as mesmas crianças durante todo o período da pesquisa, de 2017 a 2019. Mesmo que o projeto tenha acabado, pretendemos reavaliar as crianças, para observar os efeitos da pandemia da covid-19”, explica Cíntia.

O estudo ocorreu em dois momentos distintos: observação e realização de atividades lúdicas com os estudantes. Angélica Dantas, professora da rede municipal, destaca que as atividades foram realizadas individualmente com cada aluno, e, ao final do processo, o material era preparado de acordo com as dificuldades encontradas pelos profissionais envolvidos com as crianças. “Foi um trabalho muito válido, que auxiliou na aprendizagem da leitura e escrita dos alunos. O projeto me motivou como educadora, pois aprendi muito com a pesquisa. Ele não contribuiu apenas para a formação das crianças, mas, também, para nós professoras”, afirma Angélica.

Os dados das pesquisas realizadas com participação da UFRN estão disponíveis no relatório de 10 anos da Harvard-Brazil, cooperação realizada entre pesquisadores do Brasil e da Universidade de Harvard, com estudos desenvolvidos no período de 2011 a 2021.

Fotos 1, 3 e 4: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN 

Fotos 2 e 5: Arquivo pessoal

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Sobre Juliska

Juliska Azevedo é jornalista natural de Natal-RN, com larga experiência em veículos de comunicação e também assessoria de imprensa nos setores público e privado.

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