25 de Dezembro de 2020
[CRÔNICA] Um olhar dentre os olhares
[0] Comentários | Deixe seu comentário.*Por Gabriel Rodrigues Morais
O homem acorda. O seu despertar é acompanhado por um sentimento inesperado: ele decide que, naquele dia, buscaria olhar as coisas de uma maneira diferente e ver tudo aquilo que os seus olhos impediram de enxergar no dia anterior. A cegueira que ele alegava ter não era visual, mas sim, de sentimentos, das sensações que só acontecem naqueles que ousam voltar a perceber a beleza das coisas simples da vida.
Ele caminha. Os passos guiam o homem para as memórias esquecidas. Ele já não é mais o mesmo. O tempo e os afazeres elencados como sendo os mais importantes haviam ocupado o espaço que outrora foi preenchido pelo afeto. Ao ver uma foto de sua filha criança em seus braços, lembrou que já foi um pai atencioso e tudo o que ele mais queria no fim do dia era poder sentir o seu abraço. “As horas foram cruéis comigo”, pensou ele, “pois elas não me deixaram perceber que eu era feliz e não sabia”, disse o homem, enquanto lamentava não poder mais repetir aquele mesmo momento.
Ao sair de casa, o homem percebe que o sol revela percepções que antes ele ignorava: os pássaros que anunciam a chegada de mais um dia; as rosas que desabrocham para serem contempladas pelos humanos; o cheiro do café e do pão com manteiga que trazem a recordação de uma infância humilde, mas rica de felicidade.
Ele quer fechar os olhos. Quer esquecer que um dia disse que não tinha tempo para viver como queria. A sua vontade de ganhar poder, prestígio e ascensão diante de seus pares transformaram-no no reflexo daquilo que muitos desejam ser. E depois de serem isso, poucos são os que querem seguir assim. Ele então chega a uma decisão. Desistiu de ser apenas mais um olhar dentre os olhares que enxergam as mesmas coisas. Decidiu ter um olhar que tem muito a dizer, mesmo sem pronunciar uma só palavra.
*Jornalista